Este será um artigo dedicado aos objetos delicados das mães e das avós. São vistos apenas uma ou duas vezes por ano, durante o resto do ano estão dentro de um armário fortificado e envidraçado, de onde meramente conseguimos vislumbrar a sua brancura. Têm a sua devida utilidade, apenas quando a mãe ou avó assim o entendem, ou seja, no Natal, na Páscoa ou num jantar de ocasião especialíssima. São objetos que foram comprados com consciência, com uma certeza de que serão o tesouro mais bem guardado lá de casa. São para a vida toda!
Os filhos e netos oferecem-se para pôr a mesa, mas no segundo seguinte arrependem-se. Sabem que cada movimento milimétrico está a ser controlado, e se houver um movimento em falso, ouvem: “CUIDADO, há mais de 50 anos que tenho esses Vista Alegre sem uma lasca!”
Desde 1824 que estes objetos delicados ocupam orgulhosamente as mesas de Portugal e além-fronteiras. Depois do consentimento do rei, foi em Ílhavo erguida a primeira fábrica de porcelana de Portugal. José Ferreira Pinto Basto, um senhor muito à frente do seu tempo, responsabilizou-se por trazer uma técnica, até então desconhecida em Portugal. O fundador mudou o chavão “o segredo é a alma do negócio”, para “a paciência é a alma do negócio”. Foram precisos dez anos até ser lançada a primeira peça de porcelana naquela fábrica. Nesses dez anos a fábrica não parou, os operários aprenderam a dominar a técnica de moldar e pintar a porcelana até à perfeição. Para garantir sustento a todas as famílias dos operários, foram produzidas peças de vidro com relevos e ornatos lapidados, afinal Portugal já tinha um historial de vidreiros.
José Ferreira Pinto Basto tinha uma ideia visionária e clara sobre a felicidade, para ele a felicidade podia muito bem começar no trabalho. Por essa razão, pensou criar a comunidade da Vista Alegre ali, no terreno da fábrica. Construiu habitações familiares, creche, teatro e tinha apenas uma condição, ninguém na fábrica poderia ser analfabeto, nem ter falta de sensibilidade para o belo. Para superar esses pequenos problemas, os operários tinham aulas de música, de teatro e ainda aulas para aprender a ler e a escrever. Todas as ideias do fundador sobre a felicidade no trabalho foram vitoriosas. Atualmente, os pintores das peças Vista Alegre, são mestres, com muita segurança nas pinceladas e sensibilidade para os mais delicados desenhos.
As peças Vista Alegre acompanharam os novos tempos, deixando entrar ideias de outros artistas de áreas completamente diversas. Algumas das personalidades convidadas a participar na história da fábrica foram a artista plástica Joana Vasconcelos, Válter Hugo Mãe, Siza Vieira, Eduardo Nery, Graça Morais, entre outros. As parcerias com marcas internacionais de renome já são uma constante, como Óscar De La Renta e Christian Lacroix.
O nome Vista Alegre não foi uma escolha rebuscada, mas sim uma homenagem à quinta onde tudo começou. Antes de a fábrica ser fundada, na quinta existia uma capela e uma fonte do século XVII. Nessa fonte estava uma inscrição que demonstrava as propriedades da água, uma dessas propriedades era causar vista alegre a quem a bebesse.
A fábrica passou por períodos prósperos e outros nem tanto, a ideia do descartável instaurou-se pelo mundo todo. Quando um prato ou um copo se partia, facilmente era substituído por um novo e barato. A mentalidade do descartável, ainda hoje permanece, e a marca soube como dar a volta, fabricando peças únicas e exclusivas sempre com o mesmo patamar de excelência.
Sabemos agora o valor dos tesouros que as mães e avós guardam com tanto cuidado. Sabemos também que num próximo jantar especialíssimo, a tarefa de pôr a mesa não será nossa. Sabemos, principalmente, que as peças da Vista Alegre são pintadas com a cor da felicidade, moldadas com mãos de sabedoria e tem porcelana inquebrável na memória do tempo.