Foi numa manhã de agosto, com o sol a erguer-se cedo e forte sobre a planície algarvia, que acompanhámos a vindima da Páxa Wines. A luz dourada iluminava as vinhas e o silêncio era apenas interrompido pelo som das tesouras a cortar os cachos maduros. Ao nosso lado, o enólogo Duarte Raimundo conduzia-nos com a serenidade de quem conhece cada linha de videira, cada curva da terra. Havia pressa em colher, mas também respeito pelo ritmo da natureza, um equilíbrio entre urgência e contemplação.
O Algarve, tantas vezes lembrado pelas suas praias e pela costa recortada, guarda na vinha uma das mais antigas memórias do território. Muito antes do turismo, já o vinho fazia parte desta paisagem. Foi por aqui, dizem os registos históricos, que viajantes fenícios vindos do Oriente trouxeram o cultivo da videira para o que viria a ser Portugal. Essa herança permanece viva no solo fértil, no clima que mistura mar e serra, e na sabedoria das gentes que aprenderam a ler os sinais da vinha.
Na Páxa Wines, a herança algarvia ganha vida numa gama completa de vinhos, dos tintos robustos aos brancos elegantes, passando pelos rosés frescos e vibrantes que refletem a luminosidade da região. Cada perfil nasce da conjugação do clima algarvio, marcado pelo sol intenso e pela proximidade do mar, com o cuidado técnico que assegura equilíbrio e autenticidade em cada garrafa. Como nos disse Duarte Raimundo, “a vindima é muito mais do que a colheita de uvas; é um tempo de ligação profunda à natureza, ao esforço humano e à tradição”. Entre essa diversidade, surge também a recuperação da Negra Mole, casta autóctone quase esquecida que, integrada neste portfólio, reforça a ligação entre tradição e inovação.
A vindima é apenas o primeiro capítulo de um longo percurso. Depois da apanha, os cachos seguem para a adega, onde tradição e tecnologia se encontram. Vimos de perto o espaço onde se faz a divisão das uvas, o momento em que são esmagadas e libertam o seu sumo generoso, e os depósitos onde tudo se transforma. Tanques de inox, imponentes e silenciosos, guardam o vinho em diferentes fases: uns destinados à fermentação do tinto, outros ao branco. Ali, entre mangueiras, válvulas e termómetros, desenha-se a alquimia que transforma fruta em história engarrafada.
Para o enólogo, um dos momentos mais simbólicos da vindima é “aquele instante em que o primeiro cesto cheio de uvas chega à adega”. É o sinal da passagem do campo para a transformação em vinho, o resumo de meses de trabalho, paciência e expectativa, e o ponto em que as mãos de quem colheu se unem às de quem vai vinificar.
Mas por detrás de toda a técnica, há sempre poesia. O vinho nasce de gestos humanos, das escolhas do enólogo, do cuidado em cada detalhe, da entreajuda das equipas no campo. “O ambiente da apanha é muito particular”, conta Duarte Raimundo, “uma mistura de trabalho duro com espírito de festa, onde se sente camaradagem e entreajuda”.
Os desafios também são muitos: o clima quente e seco, a gestão da água e a necessidade de mão de obra sazonal. “A vindima no Algarve tem características muito próprias e, com elas, alguns desafios bem marcados”, refere o enólogo. “Mas cada garrafa que sai daqui é também prova da nossa capacidade de adaptação e de resiliência”.
Essa mesma resiliência passa pelo cuidado com o terroir. “Cuidar do terroir é quase como cuidar de uma herança viva. Não se trata só de produzir uvas, mas de preservar a identidade de um lugar”, sublinha Duarte Raimundo, apontando práticas agrícolas sustentáveis e respeito pelas castas autóctones como pilares do futuro.
E o futuro, perante as alterações climáticas, é simultaneamente um desafio e uma oportunidade. “É tempo de reinvenção”, afirma. “Mudam os ciclos da vinha, muda a gestão da água, mas também surgem novas possibilidades para criar vinhos diferentes, sem nunca perder a autenticidade”.
Caminhar pela adega da Páxa é sentir que o vinho não é apenas produto: é cultura, é identidade, é a forma como o Algarve se conta ao mundo. Em cada pipa e em cada cuba, repousa não só o fruto da terra, mas também a dedicação de quem acredita que o Algarve merece ser reconhecido como grande região vinícola.
Enquanto o sol avançava no céu, percebemos que a vindima é, ao mesmo tempo, celebração e responsabilidade. Celebração, porque marca o culminar de meses de dedicação e, como refere o enólogo, “é no final da vindima que se faz sempre um brinde, um ritual que simboliza o sucesso da nova colheita”. Responsabilidade, porque cada garrafa que dali sairá leva consigo a imagem de uma região.
Hoje, os vinhos algarvios vivem um renascimento. A Páxa é exemplo dessa energia nova, que valoriza castas autênticas, respeita o território e aposta na qualidade. Nas palavras de Duarte Raimundo, “a vindima ocupa um lugar central e simbólico na identidade do Algarve, porque representa a capacidade de adaptar-se, de resistir e de tirar o melhor da terra”.
E para quem deseja levar esta história até à sua mesa, basta uma visita ao Mar d’Estórias, onde os vinhos da Páxa estão disponíveis. Porque saborear um copo é também viajar até à vinha, sentir a força do sol de agosto e descobrir o segredo bem guardado do Algarve vinícola.