Nem sempre é linear o caminho do sonho à concretização. Há curvas, há desvios e chega a haver sinais encarnados. Mas o importante é sempre o de persistir e encarar o projecto como algo de processual.

Da ideia de ligar o comércio de produtos portugueses às experiências e histórias inspiradas na cultura local e nacional, surgiu a necessidade de encontrar o espaço ideal. Quando nos foi dado a conhecer o espaço que acabou por se traduzir no projecto Mar d’Estórias, digamos que, não só tínhamos em mãos um edifício do século XVIII, carregado de história e localizado no centro da cidade de Lagos, como tínhamos um espaço que requeria muito mais do que uma simples loja. O conceito do Mar d’Estórias evoluiu para algo de multidisciplinar, que conta com diferentes secções de loja, cafe/bistro, galeria de eventos e bar-terraço, e que espelha o melhor da cultura, da história e da sociedade portuguesas.

Estamos a falar dum edifício que começou por ser Igreja do Compromisso Marítimo de Lagos, tendo tido depois diferentes utilizações ao longo dos anos, como adega e armazém de vinhos. Foi um local de refúgio e de grande importância na comunidade piscatória local e a partir de 1932 passou a constituir-se enquanto sede do quartel dos Bombeiros de Lagos por mais de cinquenta anos. Por esse motivo, e com a indispensável colaboração do arquitecto Mário Correia Martins, profundo conhecedor da história e da arquitectura da cidade de Lagos, fez-se o primeiro levantamento arquitectónico do edifício, que permitiu compreender os antecedentes e caracterizar a intervenção proposta.

A par com monumentos de extrema relevância histórica como a Igreja de Santo António, a Igreja de Santa Maria, o Mercado dos escravos e toda a alusiva praça do Infante Dom Henrique, o espaço Mar d’Estórias tem também ele uma carga e significado históricos que jamais podíamos ter desconsiderado quando avançámos com a proposta de reconversão do edifício para espaço comercial e cultural. Tentámos recuperar o máximo possível do que restava e adaptar o espaço a uma nova utilização – fiel à modernidade, mas muito enraizado nos terrenos do passado.

A missão inicial foi a de retirar o máximo de materiais que corrompiam o edifício, como tapumes de madeira, estruturas de alumínio e alcatifas, revelando e dando destaque aos poucos pormenores originais ainda existentes: alguns tectos em abóbada, o arco da entrada que sustentava o antigo coro da igreja, uma pia perto do antigo altar-mor (que viemos a descobrir), uma sala com tecto em caixão, lajes tumulares em pedra, os quais abraçámos como testemunhos históricos da época.

Na fase seguinte, foi feito um levantamento arqueológico que permitiu perceber que materiais tinham sido utilizados na construção, identificando mais alguns pormenores da história do edifício. Utilizámos massas e materiais não invasivos, adequados à recuperação de edifícios antigos, e em todos os elementos de construção e decoração utilizámos materiais naturais como ferro, pedra e madeira. Obviamente que todo o edifício teve de ser adaptado e equipado de acordo com as exigências actuais, tanto legais, como de conforto e segurança, mas sempre com a preocupação de deixar bem presente a carga histórica e o testemunho do passado.

Tudo foi feito no sentido de recuperar o máximo da identidade arquitectónica, histórica e social daquele que passou a ser um espaço de comércio e cultura portugueses, em frente ao mar e cheio de estórias para contar. Sejam bem-vindos ao Mar d’Estórias.