Portugal é um país pequeno, aliás muito pequeno, mas tem a particularidade de conseguir multiplicar-se por muitos. Sim, somos muitos além-fronteiras que levamos a alma de se ser português para qualquer cantinho do mundo.

Gostamos de explicar tudo o que cá se faz aos amigos que arranjámos no país de acolhimento. Demonstramos com afinco e alguma teatralidade, a proeza de comer uma sardinha acabada de sair do fogareiro em cima do pão só com as mãos, e como de seguida sopramos os dedos para a conseguir acabar. Explicamos que, para por a conversa em dia, bebemos café e muito provavelmente comemos um pastel de nata ou uma queijada para acompanhar as últimas novidades. Os estrangeiros seguramente nunca perceberão o quanto tudo isso é doce à memória dos emigrantes.

Dentro de todas as romarias do mês de agosto, a mais importante é, sem dúvida, aquela que todos os emigrantes vêm por algumas semanas visitar a família.

O João e a família todos os anos regressam a Portugal neste mês, não porque todos os outros o façam, mas porque é o mês das férias dos miúdos. Assim junta-se o útil ao agradável e reveem amigos de longa data que também eles estão fora. Todos os anos fazem uma viagem durante dois dias de autocaravana. Tudo é preparado com antecedência para que cheguem precisamente no dia 1 de agosto à cidade de Lagos. De Paris a Lagos são 20 horas, por essa razão os miúdos Amélie e Julien preparam a mochila com os últimos jogos oferecidos pelos avós, o Sabichão e o jogo da Glória.

– O baralho de cartas também vai! -Diz o Julien à irmã.

Têm tempo de sobra para treinar o jogo da sueca tal como tinham aprendido no verão passado com o avô.

O João e a mulher Rita dirigem-se ao minimercado português perto de casa, pertence ao senhor José e tem os melhores pastéis de nata de Paris e arredores. Pedem uma caixa de 8 e em vez de fazerem as compras habituais, procuram enlatados Minerva de atum, de cavala e de sardinhas. Vão precisar de comidas práticas, mas saudáveis para a viagem.

Nesse mesmo dia o João apanhou os miúdos no Skype a tentar explicar à amiga Christine o que significava a palavra – saudade. Insistiam que iriam ter saudades dela durante as férias. O que eles ainda não sabem, é que esse sentimento só tem direito a nome em Portugal, e a amiguinha francesa nunca iria entender.

A viagem de autocaravana já faz parte das férias, seria mais fácil apanhar um avião e numa hora e pouco o João e a família chegariam a Portugal. Mas desta forma conseguem aproveitar mais o tempo em família. Os 8 pastéis de nata desapareceram nas primeiras duas horas de viagem. Os miúdos não se importam porque em Portugal, sabem que todos os dias de manhã podem comer um com a colherzinha do café.

Combinaram que durante a viagem apenas comunicariam em português. Por vezes é difícil fazê-lo em França, mesmo que a comunidade portuguesa seja muito acentuada. O João comenta com a Rita que já não se lembra do último sonho que teve em português. Os mais pequenos já nasceram em França, os pais mudaram-se há 11 anos por haver mais oportunidades de trabalho. Não foi uma decisão fácil, mas necessária para seguirem o sonho de ter uma família, e de terem os empregos nas suas áreas de formação.

Depois de muitos jogos e algumas calinadas no português, eis que chegam a Lagos. À porta de casa estão os pais da Rita e do João, e o cheiro a frango assado já anda no ar. Preparam uma mesa farta, com vinho alentejano, enchidos e queijos e tudo isso só servirá de entrada. Quem conhece os nossos costumes sabe bem que a nossa relação com a comida é bem mais que uma necessidade básica à sobrevivência. É um momento de confraternização de longas horas sentados à mesa, e isso não se perde mesmo quando se vive a 2000 quilómetros de distância.

Para o dia seguinte já está combinado uma ida à praia logo pela manhã, e já têm mesa reservada num restaurante/loja no centro da cidade. A mãe da Rita quer muito lá ir, para mostrar os produtos portugueses à filha, para que ela possa levar e mostrar aos amigos franceses.

– Lá na loja do Mar D’estórias tens livros de cozinha portuguesa, aproveita para ensinares aos franceses como se cozinha! – diz a mãe da Rita com ar de brincadeira.

As férias num ápice terminam e há que guardar uns dias para o natal. As despedidas custam sempre, mas de ano para ano vão normalizando. Talvez porque as novas tecnologias ajudam a superar o famoso sentimento português, a saudade!