O Mar d’Estórias é um projeto que fervilha de ideias que são fiéis à modernidade, mas muito enraizadas no património. Conhecendo o passado da nossa cidade descobrimos também a nossa história.
Por isso, não será de estranhar que, ao folhearmos a clássica obra “Lagos, Evolução Urbana e Património” 1 encontrássemos aspectos ancestrais do edifício que é hoje o Mar d’Estórias.
Ao abrirmos este livro, publicado pela Câmara Municipal de Lagos, deparamo-nos com um esboço da fachada principal quando ainda era Igreja do Compromisso Marítimo de Lagos.
Talvez por ter sido completamente reedificada com o terramoto de 1755, o esboço desta ermida do reinado de D. Manuel I seja apenas uma reconstrução (fig.1). Na verdade, o desenho foi elaborado pelo Arq. Eduardo Bairrada, segundo apontamentos do pintor lacobrigense Jaime Murteira.
O bonito pórtico da entrada (fig.2), com dois medalhões esmeradamente esculpidos, foi das primeiras manifestações da arquitectura renascentista no Algarve. Este portal da antiga igreja foi transferido em 1935 para o Museu Municipal, evitando, assim, ser destruído pelo tempo.
Numa tentativa de abraçar o passado, mantivemos pormenores estruturais da Igreja do Compromisso Marítimo, como as janelas renascentistas, o arco da entrada que sustentava o antigo coro da igreja, alguns tectos em abóbada, uma pia perto do altar-mor, lajes tumulares em pedra, bem como, uma divisão com tecto em caixão (fig.3), que teve de ser completamente renovado devido ao avançado estado de degradação.
Em tempos idos (1916-1926), este espaço passou a ser um local onde se juntavam os mareantes de Lagos, as gentes da pesca. Foi um sítio utilizado como armazém de vinhos e cereais, mas também como taberna, que fornecia o preventivo pirolito de aguardente de medronho, na época da “pneumónica”.
A descaracterização pelo uso esporádico do edifício, nos anos 20, deu lugar à utilização deste espaço como sede e quartel dos Bombeiros Voluntários de Lagos, por 54 anos (1932-1986). Como testemunho da sua presença, o Mar d’Estórias conservou alguns detalhes da inequívoca passagem destes corajosos voluntários. No nicho, na fachada principal, foi outrora instalada a primeira cabine telefónica de Lagos, a pedido da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lagos, em 1934. O mezanino, actualmente dedicado aos livros e música, era o espaço de dormida do quarteleiro do edifício e, mais tarde, camarata onde dormiam o motorista, o socorrista e mais três bombeiros. A antiga vigia dos bombeiros no topo do edifício (fig.4) manteve-se inalterada, mesmo com a enorme transformação do telhado num terraço bar, com vista para a baía. No cuidado em preservar o carácter e história do edifício restaurámos, ainda, a antiga porta da sede dos Bombeiros.
Tivemos o cuidado de manter a dignidade deste espaço, através de uma intervenção global, com a preciosa colaboração do Arq. Mário Martins. Hoje este espaço é um testemunho das gentes que por aqui passaram; um património que mantemos para continuarmos a crescer. É assim que conhecemos melhor aquilo que sempre fomos, um local repleto de estórias – um Mar d’Estórias.
1 PAULA, Rui M. (1992). Lagos, Evolução Urbana e Património, p 304, Câmara Municipal de Lagos, Lagos.