Não há nada como poder mergulhar na cultura dum povo e descobrir-lhe as particularidades. E o que é a cultura senão o conjunto das práticas e costumes, dos modos de fazer e de estar, da linguagem e das formas de expressão?

Há um património histórico e cultural muito carregado nesta região em tempos denominada “Reino do Algarve”, sobretudo pela tentativa de resistir à mudança e à passagem dos anos.

O esforço em manter aquilo que caracteriza os Algarvios e os distingue dos demais é evidente, sobretudo ao nível simbólico – as formas de linguagem, as expressões utilizadas e os regionalismos que sobrevivem numa era de tanta miscigenação. Por isso, o turista que vem pela beleza das praias e pelos banhos no mar, não pode esquecer uma “outra praia”, de acesso muitas vezes erudito, mas que acrescenta mais valor e sabedoria ao reconhecimento da história das civilizações.

São inúmeras as expressões utilizadas por este povo marujo, afável e aberto à chegada de outras gentes – o Algarve, que deve o seu nome à longa e duradoura influência árabe (Al-Gharb, “o Ocidente”). Deixamos aqui as dez expressões mais corriqueiras, para que possa conhecer mais sobre a cultura da região a Sul de Portugal.

 

Atão – Este é o encurtamento do advérbio de tempo “então”. É maioritariamente aplicado como forma de interrogação, como por exemplo, “Atão, quando é que chegas?”. É algo que se ouve a cada virar da esquina e que por isso não podia deixar de ser associado à linguagem corrente dos algarvios. Pode ser também uma forma de assentimento ou compreensão de uma ideia exposta, como no exemplo que se segue: “Atão… é assim a vida”.

Béq’me – Esta é a expressão encurtada de “Bem que me”, mas com a acentuação no “é”, que faz com que soe ainda de forma mais engraçada. Assim, quando se ouve “Béq’me parecia querer que hoje ia chover” já se sabe que esta é uma forma de concluir uma antevisão. É comum ouvir esta expressão de outras formas, ainda mais particulares e castiças.

De manêras que – “De maneiras que”, ou “de modos que”, é uma conjunção conclusiva à moda Algarvia. É uma forma de concluir uma ideia, de dar término a uma frase, fazendo-se equivaler a “portanto” ou “assim”. Um exemplo da forma como esta expressão é utilizada pode ser: “De manêras que o medronho acabou na noite do jantar”.

Há-des – “Hás-de”, que é a segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “haver” com a preposição “de”, além de estar mal aplicado, ainda tem o plural no “de” e não no verbo “hás”, o que ainda torna a coisa mais “algarvia”.  Pode dizer-se que esta expressão indica um certo tom de ameaça, como “Há-des cá vir”, que significa que o falante está a assumir uma posição de vingança. “Há-des” ou “deves” acabam por se fazer equivaler: “Há-des pensar que eu não ouvi o que disseste” ou “Deves pensar que eu não ouvi o que disseste” têm o mesmo significado, mas, por algum motivo, as pessoas recorrem mais a determinadas formas de expressão do que a outras.

Mechas – Esta é uma forma completamente algarvia de mostrar desagrado ou indignação perante alguma situação ou acontecimento. É um eufemismo, muitas vezes aplicado em situações de surpresa pela negativa, que é uma apropriação da palavra do calão – “Merda”.

Môce Marafado – Môce, que já de si é uma palavra correntemente usada pelos algarvios, quer dizer “moço” ou “rapaz”. “Môce marafado” é a forma com que o Algarvio se refere a um rapaz que se comporta ou teve alguma atitude fora do expectável, tendo sido maroto, rebelde ou ainda traquina. “Marafado” é também aquele que está “irritado” ou “chateado” com algum acontecimento ou situação. 

Na dou fête – “Não dou feito”, ou seja, “Não consigo fazer” é a negação de uma determinada acção, como seja ela física ou intelectual. Por exemplo, “na dou fête esta receita” significa que o sujeito se sente incapaz de cozinhar aquela receita. “Na dou” pode ser aplicado a outros verbos, tal como “na dou comido”, “na dou pensado” ou ainda “na dou escutado o barulho das ondas”. É constantemente utilizada pelas pessoas que têm em comum a vivência algarvia e pode obviamente baralhar os mais curiosos pela língua portuguesa, que estejam a tentar aprender a compreendê-la e a pô-la em uso.

N’ouves – ou seja, “Não ouves?”. Esta é a expressão que interroga o interlocutor sobre se este está a prestar atenção ao que se lhe diz. “Não estás a ouvir o que te digo?” é o exemplo de que “N’ouves?” está constantemente a ser usado pelos algarvios, sobretudo quando se trata de uma relação onde há uma certa hierarquia, como pais-filhos.

Prontes – Esta maneira peculiar de dizer “Pronto” é uma forma de conclusão que costuma fechar uma ideia ou uma frase. Tende a ser a resposta conclusiva ao interlocutor, como “Prontes, tens razão” ou “Prontes, tudo bem”. Pode ainda assumir um tom conclusivo mais dramático: “Prontes, já sabia que isto me ia acontecer”, no sentido em que o sujeito está diante de um acontecimento difícil de encarar, mas com o qual já pensava poder contar, à partida.

Que Jête – ou seja, “Que jeito”. É aplicado como forma de reprovação de uma afirmação ou ideia, podendo ser levado como algo de depreciativo. “Isso não tem jeito” é o exemplo de que esta é uma expressão que reprova e “condena” uma ideia. No entanto, uma vez que as expressões passam a incorporar o dia-a-dia de um povo, até nas mais elementares formas de diálogo podemos encontrá-las em uso. “Queres café?”, a mais simples das questões, pode perfeitamente ser respondida da forma “Que jête”, consoante o contexto e, claro, o grau de relacionamento dos interlocutores.

Concluindo:

Falar Português, para quem é de outro país, especialmente que não seja de origem latina, já é uma tarefa difícil. Falar algarvio, especialmente tendo em conta todas as expressões que assinalámos aqui e que são o dia-a-dia dos algarvios, chega a ser imperceptível para alguns portugueses, por isso, imaginem para as pessoas de outras nacionalidades. “Que jête” entenderem… Nem pensar.