Toda a história tem o seu início. De modo a simplificar podíamos dizer que uma manta começa pela ponta de um fio de novelo de lã e que termina num baú de enxoval na casa de uns recém-casados. Mas existe um início, um meio e um fim, bem como os protagonistas que não podem faltar num texto que tem como tema as Mantas Alentejanas.

 

Para descobrirmos todos os segredos e todas as histórias das mantas alentejanas, teríamos de nos sentar num tear durante largos dias. Tecer, teríamos de tecer uma vasta manta de lã merina. Ao nosso lado poderia estar um contador de histórias, bem à moda do Alentejo. Nem ele saberia bem por onde começar, mas como característica daquele povo, nunca se engasgaria e começaria logo pelo início, pela transumância! Ele contaria que, antigamente existiam os caminhos da transumância, por onde passavam tudo e todos. Rebanhos, ensinamentos, contos, cantilenas e lenga lengas tradicionais. Eram caminhos destinados à transumância dos animais, na busca dos melhores pastos durante determinada estação do ano, mas também servia como caminho de conhecimento. “Nos caminhos da transumância, havia pontos para descanso e para beber água”, continuaria o contador de histórias por dizer. Nesses pontos também se fazia a tosquia das ovelhas, e lavava-se a lã ali bem perto de Monsaraz, no Guadiana. É impossível saber o momento exato em que se começaram a tecer as mantas, ou quem iniciou essa tarefa. Inicialmente, as mantas agasalhavam os pastores que viajavam com o seu rebanho e cobriam famílias inteiras, à noite já na cama. Para alguns, as mantas também serviam de salário, como moeda de troca ou para usufruto pessoal. Levavam um banho de azeite durante dias, para depois secarem ao sol e tornarem-se impermeáveis para as jornadas de inverno.

O uso das mantas vem do século XIII-XVI até aos dias de hoje, sem nenhuma interrupção temporal, apenas alguns altos e baixos pelo caminho. Pelas terras de Reguengos de Monsaraz podemos ouvir o mesmo som que se ouvia há muitos séculos atrás. É no compasso de uma música, sempre com o mesmo ritmo que somos recebidos na Fábrica Alentejana de Lanifícios em Reguengos de Monsaraz. São quatro os pedais que dão andamento à teia e trama da lã merina, com a ajuda da lançadeira manual e do pente para unir todo aquele cruzamento de fios. São também quatro, as tecelãs que movimentam mecanicamente os teares.  A mecânica e a força estão nos braços das tecelãs das mantas de Reguengos. São as quatro guardiãs de uma tradição que vai muito para lá de qualquer decoração de casa.

Mizette Nielsen, uma holandesa que veio para um país com costumes agarrados a uma ditadura recente, decide comprar uma fábrica quase esquecida no meio do Alentejo. No ano de 1976, era impensável uma mulher andar de calças e frequentar restaurantes sozinha. Para uma holandesa que nunca tinha vivido tamanha incoerência, podia ter voltado para trás e dizer que se tinha enganado redondamente. Mas a tenacidade prevaleceu, e marcou presença na sociedade alentejana e chefiou a fábrica com apenas homens tecelões. Conseguiu vingar num mundo maioritariamente masculino e português.

Muitas empresas de produtos nacionais com a entrada de Portugal na CEE tiveram um rombo, a fábrica de lanifícios não ficou atrás. As pessoas procuravam aquilo a que nunca tinham tido acesso, ficando para trás os produtos nacionais. Houve empresas que fecharam, mas a fábrica de lanifícios, não! Mizette revigorou os produtos, as mantas passaram a tapetes ou a decorações de parede, fez almofadas e introduziu novos padrões. Nos dias de hoje a fábrica já não é no mesmo edifício, onde iniciou no século XIX, agora ocupa um antigo lagar.

Se antes era um ofício do mundo masculino, agora é inteiramente feminino e são elas que guardam um tesouro único na Europa. Nos dias de hoje, a fábrica fornece produtos para arquitetos, hotéis e designers de renome como Kenzo Takada.

 

Por esta altura o nosso contador de histórias já perdeu o fio à meada, mas sabe e garante que falar sobre mantas alentejanas sem pôr um nome estrangeiro à frente é inevitável. Mizette veio com o propósito de não deixar morrer uma tradição milenar alentejana, quanto a nós só a devemos apoiar.

 


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Livro – “Mantas alentejanas, arte e tradição”