Entrámos no mês em que a palavra “Natal” nos presenteia com assiduidade, porque vemos e ouvimos, porque absorvemos e percepcionamos. Isto é bom, se não nos deixarmos nunca cair no esquecimento de que, mais do que um negócio, o Natal é uma tradição com mais de um milénio de história e com muito significado.

Todos nós sabemos que, por mais anos que passem e por mais páginas volvidas, há pormenores da tradição que se mantém muito vivos. A distribuição dos mais variados tipos de frutos secos pelas taças que pousam sobre a mesa de Natal é um exemplo disso.

Amêndoas e nozes, pinhões e avelãs, passas, figos, tâmaras e, nalguns casos, frutos cristalizados, costumam saltar à vista das mesas postas muitas vezes com o rigor que a época representa. Toalhas brancas, velas encarnadas, louças, talheres e conjuntos que em muitos casos só saem dos armários para fazer charme nesta altura especial do ano, pinhas que enfeitam e luzes que brilham não faltam quando o que está em causa é a mesa de Natal típica de uma família portuguesa.

Muitos poderão não saber, mas, de acordo com a tradição católica, a Consoada era uma refeição leve e simples que representava dia de jejum. Só depois da missa do Galo, as famílias podiam então ir buscar o “consolo” à ceia, de onde deriva o nome “Consoada” (consolata). É daqui que surge a tradição de comer o bacalhau na noite de 24, assado ou cozido, mas especialmente “com todos”: batatas, couves, grelos, cenouras, grão e ovos cozidos, generosamente regados por um bom azeite de oliva, bem como o polvo, que ainda é rei nas muitas mesas de Natal do Algarve.

Só na Ceia de Natal propriamente dita, a noite de 25, se passava para a carne, tradicionalmente sendo o peru no forno, recheado com uma mistura das miudezas do animal e batatas.

Sabendo bem que cada região é uma realidade e que cada família tem os seus “pequenos segredos”, não é só o peru que enche a barriga dos algarvios no Natal. Muitas eram as casas onde se matava o porco e se repartia cuidadosamente a carne, que era comida frita, ao jantar da Consoada. E a galinha gorda era deixada para o almoço de 25, dia em que muitas famílias aproveitam também (ainda hoje) o bacalhau da noite da Consoada para se satisfazerem com uma típica “Roupa Velha”.

Nas localidades da faixa litoral do Algarve, especialmente nos bairros de pescadores, era típico ter um litão (também pata roxa ou canejo) na mesa, que deveria ter mais de um metro de comprimento para que pesasse o ideal quilo e poucas gramas, e que era preparado escalado. Esta tradição é ainda hoje comum, especialmente em Olhão e Portimão, não esquecendo que o peixe é depois seco para ser comido ao longo do Inverno.

Apesar de as tradições mudarem de região para região, pois que já no Norte se diz que «Natal sem polvo, não é Natal», há coisas que fazem parte dum espírito transversal a todos os portugueses e, especialmente, a todos os que seguem os princípios da Igreja Católica. Se pensarmos na parte mais doce da festividade, muitas são as delícias que reinam: filhoses e rabanadas, bolos de mel e bolos de amêndoa, estrelas e queijos de figo, pastéis de grão e empanadilhas de batata doce, azevias, dons rodrigo e o próprio bolo rei.

Mesmo que ainda faltem alguns dias para sermos nós a estar sentados em torno duma mesa a comemorar a paz, a família e a abundância de coisas boas, a que nós portugueses estamos tão acostumados, não há motivo para não sonharmos já de antemão com o que nos espera.