É a reviver o conhecimento de um povo e o saber da vida das gentes que identificamos a nossa cultura. O património enraizado nas vestes, músicas e coreografias levou o Mar d’Estórias a contactar Luís Morgado, Presidente do Rancho Folclórico e Etnográfico de Odiáxere, para redescobrir o quotidiano do povo Português de antigamente.

Tal como o próprio nome indica, designa-se folclore a um conjunto de manifestações populares que são passadas de geração em geração. E nós, Portugueses, tivemos a sorte de continuar a ter muito presentes as nossas raízes e costumes tradicionais. “Somos felizardos por termos sido poupados às duas Grandes Guerras e à consequente deslocação em massa das comunidades”1. Por isso, muitas das nossas vivências mantiveram-se intactas, permitindo que a tradição popular tivesse chegado ao final do século XX praticamente como era na sua origem.

Legalizado a 17 de Março de 1984 por Luís Bandarra, o Rancho Folclórico e Etnográfico de Odiáxere mantem vivo o folclore do concelho. Para isso, foi e continua a ser necessário mergulhar nas histórias de outros tempos, através da investigação e recolha de diversos elementos populares. Esta pesquisa constante passa por consultar as gentes locais de mais idade para perceber as suas vivências, o vestuário, as danças tradicionais, as cantigas e os instrumentos musicais que eram utilizados antigamente: “Íamos directamente à casa de pessoas que sabíamos que tinham conhecimento; levávamos três ou quatro pessoas e um acordeonista e falávamos com elas. Se soubessem tocar, pegavam no acordeão e mostravam-nos como antigamente se tocava. Nós levávamos os gravadores e gravávamos, para depois reproduzir”, fala o Presidente do Rancho Folclórico e Etnográfico de Odiáxere, Luís Morgado.

Após toda essa recolha de dados Luís Morgado, presidente e ensaiador, organiza as músicas e coreografa as danças. As músicas são tocadas por quatro acordeões, ferrinhos, gaita de beiços, castanholas e a viola Portuguesa. Estes tocam músicas para os quase 60 dançarinos que compõem este rancho. A estes últimos, cabe-lhes trajarem de acordo com a época. Para isso, é imperativo procurar tecidos representativos do seculo XIX e pedir à costureira que elabore as réplicas dos trajes da época, tentando que esta seja o mais fiel possível aos feitios das vestes da altura.

Apercebemo-nos que esta é, sem dúvida, uma investigação séria que capta o espírito de todas as terreolas do concelho – “baseamo-nos na agricultura, na arte da pesca e na tradição conserveira tão vincada em Lagos”2.  São trajes representativos do quotidiano de antigamente:

 

Fig. 1 – Fotografia da pessoa mais rica de Odiáxere de antigamente, da família Calado.

Fig. 2 – Réplica do traje da pessoa mais rica de Odiáxere

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 3 – Representa uma mulher que vai mondar arroz

Fig. 4 – Relíquia de noivos do seculo XIX

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tanto na representação do dia-a-dia de trabalho das pessoas:

Fig. 5 – Representação de agricultores

Fig. 6 – Representação da pessoa que carrega a roupa lavada

Fig. 7 – Representação de um ajudante de pescador

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como os seus melhores trajes utilizados aos Domingos ou em dias de festa:

 

 

Fig. 8 – Réplicas das vestes Domingueiras

 

 

Todo o espólio adquirido pelo rancho ao longo dos anos está cuidadosamente catalogado no Museu Etnográfico do Rancho Folclórico de Odiáxere, instalado na sede do rancho.

 

 

Fig. 9 – Museu Etnográfico do Rancho Folclórico de Odiáxere

 

 

A verdade é que, ao longo deste pequeno Portugal, há vivências díspares de local para local, tornando ainda mais rico o património cultural português. Se no Norte do país predominam os adufes e os tambores, no Sul imperam os sons dos ferrinhos e dos acordeões. Essas e outras particularidades são avaliadas na Federação do Folclore Português, para que um Rancho passe a ser federado.

Aqui, pelo Odiáxere “queremos divulgar e elevar a fasquia”2, daí os trajes que inicialmente eram utilizados nada têm a ver com os de hoje em dia. Hoje “as vestes são diferentes, pois estão a representar o século XIX”, menciona o Presidente.

 

 

Figura 10 – Representação do traje da ceifeira

 

Um rancho folclórico não fica estanque no seu conhecimento, leva-o para fora dos ensaios e partilha-o com o mundo.

O espírito de comunidade destes grupos é extraordinário, pois fazem-no, normalmente, sem grandes meios. Os convites são lançados entre ranchos para atuações nas suas terras, dentro de Portugal ou além-fronteiras, sempre com a promessa de uma visita futura dos anfitriões aos convidados: “Todos os anos, em Agosto, fazemos um Festival onde trazemos 5 grupos. Já tenho praticamente tudo fechado para o evento de 2019”, fala Luís Morgado.

Outra particularidade que dá alento ao grupo é a ligação familiar existente entre os seus membros. Muitos incentivaram os seus filhos a participar e estes também já levam os seus mais pequenos para participar nas coreografias: “Temos todos! Três gerações de famílias a manter o rancho vivo” 2. Esta é a verdadeira forma de descobrir a importância da tradição e do espírito de um local, é a “mandar baile”, como dizem as gentes do folclore.

 

 

 

1 Contextualização de Dr. Daniel Café (Presidente da Federação do Folclore Português), em entrevista televisiva para o programa “A Praça”, 27-07-2018.
2 Menciona Luís Morgado em entrevista com o Mar d’Estórias.