Em tempos idos, até na lavagem de roupa existia arte e dedicação. As mãos das lavadeiras esfregavam com afinco os tecidos contra as lajes inclinadas para deixarem as roupas das suas freguesas imaculadas. O Mar d’Estórias foi “mergulhar” nos riachos e ribeiras, tanques da roupa e chafarizes, para contar algumas estórias desta profissão que caiu em desuso.

Durante o século XX, a procura pelos serviços das lavadeiras cresceu pelo facto de ser prestado um tratamento cuidado e exigente às peças de roupa. Lavar, engomar e ir entregar as peças ao domicílio das famílias mais abastadas começou a ser uma forma de subsistência em tempos difíceis: “quando o meu pai deixou de trabalhar na cepa por ter adoecido, a minha mãe teve que se jogar à lavagem da roupa”, testemunhou Luísa, filha de uma antiga lavadeira de Bensafrim.

Luísa conta que a sua mãe, Francisca, costumava ter três freguesas na cidade de Lagos. E recorda que a sua vizinha “Ti’ Chica do Carmo ia buscar as trouxas de roupa a Lagos, num carro de besta”, todos os Sábados, para serem entregues na Terça-feira seguinte. Já em Barão de São João, a lavadeira Maria Domingas não precisava de carro de besta, levava a trouxa à cabeça, pois as suas freguesas eram da terra: a Sra. Marreiros que tinha mercearia e taberna; e Bia Rosa que se ocupava da produção de figos e amêndoas.

Para evitar trocas de roupa, os seus proprietários ou as próprias lavadeiras tinham o cuidado de assinalar o vestuário, por exemplo, com as iniciais do nome da família. No caso de Francisca, esta apontava religiosamente todas as peças e a quem pertenciam num papel para que nenhum engano fosse cometido.

A realidade da época permitia que as mulheres pudessem escolher entre a ribeira, onde já existiam pedras de lavar e pegos mais fundos para enxaguar a roupa; ou o chafariz/tanques comunitários cedidos gratuitamente pela Junta de Freguesia.

A peça de roupa deixada em cima da laje guardava o lugar normalmente ocupado mal o sol nascesse. A azáfama começava com o processo de ensaboar e esfregar a roupa com os punhos fechados. A maioria das mulheres preferia os ribeiros de água corrente, pois afirmavam deixar a roupa mais branca e bonita. Por isso, nestas “aldeias de roupa branca” muitas eram as lavadeiras que esfregavam a roupa nas margens das águas correntes, durante toda a manhã. Para tornar tolerável a posição prolongada, havia quem colocasse umas tábuas ou toalhas debaixo dos joelhos.

O trabalho árduo, a posição desconfortável e a água fria da ribeira pela manhã não desmoralizavam estas mulheres trabalhadoras. As conversas fluíam sobre as novidades da aldeia e os cantares entoavam e definiam o ritmo da lavagem da roupa.

Companheiras na mesma lide diária ajudavam-se umas às outras a torcer e a esticar as peças de roupa maiores para secarem mais depressa. Para assim, conseguirem entregar as vestes impecavelmente lavadas e perfumadas.

Esta dedicação e perfeição no cuidado com a roupa permitiu que estas mulheres trabalhadoras contornassem as grandes dificuldades económicas ao criarem uma profissão humilde, digna e com arte.

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