A colheita das azeitonas no Algarve começa após os primeiros aguaceiros de Outono. No Sul de Portugal, a azeitona da espécie maçanilha é a mais utilizada para “britar” por se encontrar já grande, carnuda e quase madura, no final de Setembro, princípios de Outubro. Colhida ainda com cor verde, a azeitona é “britada” com preceito, rigor e alguns truques. O Mar d’Estórias foi descobrir como se preparam as azeitonas britadas para que sejam saboreadas antes da Consoada, como entrada ou petisco.
Falamos com Albino Santos, de Bensafrim, que nos explicou que depois de colhidas e lavadas as azeitonas são “britadas”, ou seja, esmagadas levemente com um maço de madeira ou uma pedra, evitando que o caroço se parta. E adverte logo que “tem de ser com um maço de madeira ou uma pedrinha, pois se for com algum objecto metálico as azeitonas ficam negras”.
As olivas são depois demolhadas em água salgada durante cerca de uma semana para perderem a acidez, deixando de amargar. Há, contudo, quem mude todos os dias essa água ou escalde as azeitonas com água quente no primeiro dia para acelerar este processo, mas Albino diz que “de dois em dois dias é suficiente”. Se estas azeitonas forem para consumo imediato “um punhado de sal é suficiente para que não fiquem moles e adocem”; se o intuito for conservar as mesmas por mais tempo é necessário fazer uma salmoura.
Para determinar a concentração de sal ideal, Albino recorre a um truque curioso utilizado desde o século XVI: “ponho um ovinho dentro da água da salmoura e quando este começar a flutuar é porque não precisa de mais sal.” E acrescenta que “também funciona com uma batata”. Outra curiosidade sobre este ritual de preparação é o de “não podermos tocar nas azeitonas com as mãos assim que forem colocadas na salmoura senão ficam moles”. Para além disso, é necessário colocar uma rede para que as azeitonas fiquem completamente submersas caso contrário apodrecem.
No decorrer da nossa conversa, Albino confidencia-nos que passa “as azeitonas por água da fonte, do ribeiro ou por água engarrafada” antes de as temperar. Afirma que se for “com água da torneira, talvez por ter muito cloro, deixa as azeitonas com um gosto estranho.”
Muitos algarvios condimentam logo a salmoura, no entanto, o preceito utilizado aqui é o de fazê-lo apenas à posteriori, com dentes de alho, orégãos e louro. As variantes de tempero são muitas e de acordo com o gosto de cada um: muitos colocam limão, laranja, piri-piri ou “nêvada” (especiaria com travo forte a menta conhecida no Algarve como erva-das-azeitonas).
Em Monchique as azeitonas britadas são elevadas praticamente a prato principal apresentado em dias de festa ou nas matanças de porco. Aliás, este prato é mesmo denominado de “azeitonas de morte de porco”! Aqui, as cebolas fritas às meias-luas são adicionadas às cenouras mal cozidas (“ataluadas”) e às azeitonas “britadas”. A verdade é que, no passado, as olivas serviam de refeição, sendo o único “conduto” com um pouco de pão, das gentes mais modestas; no entanto Albino comenta que “ainda hoje como azeitonas britadas com um bocado de pão e não preciso mais nada”.
São estes detalhes de sabedoria que enriquecem a gastronomia Algarvia e que tornam estas azeitonas num petisco indispensável na nossa mesa.