O Outono marca o início da vindima em Portugal, altura perfeita para descobrirmos um pouco mais sobre como produzir o vinho – este “néctar dos deuses”.
Apesar do Algarve não constituir uma das zonas vinícolas mais conhecidas, o Mar d’Estórias foi ver a apanha da uva e colocar os pés no mosto, em Silves, mais precisamente na Quinta Mata-Mouros, onde existe a adega boutique Convento do Paraíso.
Aqui, entre a serra e o mar, aliam-se “o que é tradicional e o antigo com o conhecimento e a tecnologia para fazer melhor, prever resultados e saber o que evitar”, menciona Leonor Frazão, enóloga residente do Convento do Paraíso.
Leonor fala-nos da sua paixão em acompanhar todos os processos inerentes à produção de vinho: tratamento da parreira, colheita da uva, produção e maturação do vinho e a mistura das castas. Esta enóloga considera a vinha uma sobrevivente: “Antigamente plantava-se vinha onde não se conseguia cultivar mais nada. A vinha era sofrida, pois dava-se em solos pobres e difíceis. O Algarve é uma terra fértil”, de clima heterogéneo, o que faz com que a região apresente um grande potencial no crescimento da produção vinícola.
Os 12 hectares de vinha contemplam sete castas: duas castas brancas – Arinto e Alvarinho; e cinco castas tintas – Touriga-Nacional, Aragonez, Cabernet-Sauvignon, Alicante-Bouschet e Sousão que já obedecem às regras da viticultura moderna. Antigamente as castas eram cultivadas todas em conjunto, mas “viemos a perceber que os tempos de maturação são diferentes, pelo que há necessidade de separar a plantação de cada casta”, explica Leonor.
Em homenagem ao Convento da Nossa Sra. do Paraíso ainda existente na quinta, o projecto com o mesmo nome envolve uma equipa de vindima de 22 pessoas que começa a colheita bastante cedo. Pelas sete da manhã já os cachos de uva estão a ser colhidos, após a breve explicação do que se pretende com a apanha de determinado talhão.
No dia em que fomos visitar a quinta, a casta tintureira Sousão estava a ser colhida, com a explicação de que cachos já com passas e as folhas secas não deviam ser incluídas nas pequenas caixas perfuradas de plástico de 12kg. A verdade é que, aqui, não se utilizam as cestas tradicionais de verga, nem as caixas maiores de plástico de 30kg, para evitar que as uvas sejam esmagadas ou aqueçam no transporte, dado ao clima da região. Assim, com este tamanho de caixa o processo é moroso e menos rentável, mas garante que a uva chegue em perfeitas condições à mesa de escolha. O sistema vibratório da mesa e quatro mãos hábeis retiram tudo o que não seja próprio, como as folhas e os cachos menos sãos, para que esta segunda escolha permita que apenas o produto intocado e de excelentes condições faça parte do processo de produção do vinho: “os detalhes são infinitos para produzir o melhor vinho possível”, refere Rita Soares, produtora vinícola e administradora da adega Convento do Paraíso.
Rita refere que é isso que se pretende nesta adega boutique que “aposta no trabalho da vinha ao longo do ano para produzir os vinhos da forma mais manual possível”. O projecto preserva as tradições e o retorno às origens com a tecnologia e o conhecimento actuais, combinando o melhor dos dois mundos: tradição e contemporaneidade. “É uma nova abordagem do velho mundo” declara Rita ao falar da utilização do lagar em pedra para fermentar o vinho. “Procura-se manter o método mais tradicional de vinificação, mas com placas de frio e sonda para controlar a temperatura”, ou seja, uma evolução consciente do antigo método de fermentação à temperatura ambiente.
O vinho Português é diferente do resto do mundo e Rita Soares explica-nos que a razão se prende com a existência de “250 castas autóctones em Portugal, sendo os vinhos portugueses feitos, normalmente, a partir da mistura de várias castas”. Esta harmonia entre castas cria uma diversidade de sabores únicos e complementares: “a magia de misturar vai conferir diferenciação” ao criar vinhos de características únicas: “o volume do Alicante-Bouschet mistura-se com a acidez extrema do Sousão que são equilibrados com o apimentado do Cabernet-Sauvignon”, menciona a administradora a título de exemplo.
Deste projecto resultam três lotes de vinho Algarvio: o Convento do Paraíso, um vinho premium que advém de um blend das castas Cabernet Sauvignon, Sousão e Touriga Nacional; o Imprevisto, de características mais dinâmicas; e o Euphoria que contém quase todas as castas existentes na vinha. Este último honra e inspira-se no Algarve, tanto pelo sabor mineral e fresco a lembrar a proximidade e a influência do mar, como pelo rótulo a enaltecer as casas brancas tipicamente algarvias e a lenda das amendoeiras em flor.
A equipa do Convento do Paraíso acredita que estão reunidas todas as condições para promover o Algarve como região vinícola de qualidade e de referência. Pois para além de tentarem “exprimir, na forma máxima, o que recebemos da terra”, como refere Leonor, existe “uma preocupação em cultivar castas nativas que, por serem produzidas em pequenas quantidades, lhes é conferida toda a atenção”, remata Rita.
É surpreendente e muito recompensador encontrar no Algarve esta pequena adega que tem bons técnicos que se inspiram nos processos naturais e tradicionais, mas apoiados na tecnologia de ponta para tentar produzir os melhores vinhos do mundo. É neste sentido que o projecto Convento do Paraíso está a trabalhar: “uma adega boutique com equipamento state-of-the-art inspirado na tradição”, cita Rita Soares.