O ditado antigo do Norte de Portugal, mote deste artigo, consagra o linho como símbolo de riqueza familiar, uma herança transmitida de pais para filhos. Antigamente, os enxovais das raparigas eram todos tecidos a linho e as toalhas, com remates em crochet, cuidadosamente guardados para servirem em dias de festa.
Com a importância do linho em mente, o Mar d’Estórias rumou até Santana, vila da costa Norte da ilha da Madeira, para ouvir a história de Lurdes, na arte do linho desde o cultivo ao fiar. É numa das típicas casas da ilha de telhados de colmo, que Lurdes fia e tece durante toda a semana, há mais de 20 anos.
Lurdes, de 64 anos, explica-nos que as suas avós trabalhavam no linho, mas que não foi com elas que aprendeu a tecer. Esta fiadeira cuidava da casa até o seu filho mais velho a ter inscrito na Casa do Povo para ir aprender a arte do linho. Durante 9 meses especializou-se em semear, colher, demolhar, espadelar, fiar e finalmente a tecer estes preciosos fios em peças de grande valor: “Fui por um filho meu. Levou os papéis sem eu saber e inscreveu-me. E depois quando chegou a altura chamaram-me.”
A Casa do Povo, nessa altura, já percebia o valor em manter as tradições, pelo que disponibilizou este curso, a quem estivesse interessado, pagando pela participação: “pagaram-me vinte e tal contos mais o subsídio de alimentação”. Com orgulho Lurdes conta-nos que “com esse dinheiro dei a carta de condução ao meu filho”.
Lurdes afirma que viver do linho é semelhante à labuta da formiga, por trabalhar muito no Verão para se manter no Inverno: “na semana que não estou aqui a fiar ainda trabalho mais” para deixar o linho preparado para fiar e tecer.
A colheita do linho é de três meses e meio – este é semeado em Março e no final de Julho é arrancado pela raiz e arrepiado para “tirar a baganha” (retirar as sementes). Depois é amarrado aos molhos e mergulhado na água “de um poço ou ribeiro, com pedras em cima”. Dependendo da temperatura da água, o linho é retirado quando estiver a “curtir” ou seja a partir-se, o que normalmente acontece em 7 dias: “aquilo quando sai da água cheira muito mal, por isso, tem de ser bem lavadinho e colocado num terraço a secar até ficar amarelo”.
De todo o processo desta arte a parte mais trabalhosa é o de “espadelar”, que consiste em bater com uma pá de madeira no linho: “oh, tenho de espadelar e é tão trabalhoso”, refere Lurdes. Posteriormente, separa-se a estopa grossa do linho, para que este seja fiado e transformado em meada. Antes de ir para o tear ainda passa por uma cozedura de “três horas com muito sabão azul” e seca ao sol no “caneleiro” (ripas de cana).
São necessárias três pessoas para colocar as teias no tear: “uma aguenta a teia, outra roda e a outra está à frente para endireitar os fios”. Depois do tear montado, a tecedeira urde e tece, passando a lançadeira de um lado para o outro para criar as diferentes peças: “No tear faço o que quiser. Até o crochet é feito no tear”.
Lurdes já tem algumas inovações na sua forma de trabalhar: não usa a roca e o fuso, e a sua máquina de fiar é eléctrica ao invés das de pedal. No entanto, continua a ser um trabalho moroso que comporta um imenso valor imaterial conotado com a originalidade da produção manual e tradição subjacente. Para o Mar d’Estórias o dizer “depois do ouro, é o linho” continua, indubitavelmente, a estar actual pelas mãos de Lurdes e de todas as pessoas que continuam a manter a arte do linho viva.